quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Òrúnmìlà:

 Òrúnmìlà:

Seu nome demonstra sua beleza e importância formada pela contração de órun-l’ó- mo-à-ti-là, que significa somente o céu conhece o caminho da libertação ou òrun-mo-olà, somente o céu pode libertar. A palavra Ifá por sua vez contem Fa que significa acumular, abraçar, conter, demonstrando que todo conhecimento do Ìsèsè l’agbá, culto tradicional Yorùbá esta contido no corpus literário de Ifá.
Igualmente em outra demonstração de sua grandiosidade encontramos em um dos oíkì de Òrúnmìlà que diz:
Òkìtìbìrí a pa ojó ikú dà
O grande transformador que altera a data da morte.
Elérí ìpín
A testemunha que orienta e defende o destino do ser humano.
É Òrúnmìlà quem presencia o nascimento de todos os seres no momento em que o destino de cada um é selado, somente ele é conhecedor do ìpín orí (destino pessoal), podendo assim orientar com exatidão quem o procura. Por isso é de fundamental importância a consulta a Òrúnmìlà-Ifá sempre que tivermos dúvidas a fundação de ideias, antes de construir, assinar contratos, resolução e evitar conflitos e guerras, casamentos e nascimentos entre outros.
Òrúnmìlà e Èsù exerce um elo de amizade e lealdade assim descrito por vários Odù de Ifá como em Èjìogbé e Ogbé Ìrètè. Em alguns Odù fazem referencia à qualidade da paciência de Òrúnmìlà em contraposição ao poder de Èsù. Vamos ver um trecho que demonstra esta dinamica entre eles:
Òótóbalè ó l’ómi, Ìkà balè ó di yangi, o dífá fún Èsù Odàrà ó nlo si ogun Àjàlé Erémi.
A verdade caiu no chão e virou água, o maldoso caiu no chão e virou yangi, foi quem consultou para Èsù Odàrà no dia que ele partiria para guerra em Àjàlé Erémi.
Ao saberem do conflito estabelecido em Àjàlé Erémi Èsù e Òrúnmìlà foram participar, com tudo planejado saíram dizendo que fariam coisas mirabolantes e inesquecíveis, vangloriando-se cada vez mais até causar ódio em seus opositores. Na guerra lutaram e venceram, conquistaram muitos escravos e propriedades, quando ao retornarem pararam para descansar. Pediram ao chefe de um vilarejo autorização para repousarem ali, durante a noite Èsù convidou Òrúnmìlà para fazer uma demonstração de seu poder. Òrúnmìlà disse para ele não se esquecer do que ele afirmara antes: “que faria algo inesquecível a vista de qualquer homem que presenciasse”. Então Èsù o desafiou a demonstrar seu poder, e assim ver se seria maior do que o dele.
Ao amanhecer Èsù antes de partir entrou no galinheiro, pegou um galo sem a permissão do dono, arrancou-lhe a cabeça e a colocou no bolso, chamou Òrúnmìlà e partiram. Assim que o dono da fazenda levantou percebeu o que havia acontecido e começou a gritar “pega ladrão”, pega quem matou meu galo. Um dos funcionários disse-lhe que quem tinha feito isso fora os seus hóspedes e que os viu partindo logo pela manhã. O fazendeiro então juntou seus homens e foram atrás de Èsù e Òrúnmìlà. Quando Èsù percebeu a aproximação dos que os perseguiam, consciente do que havia feito disse a Òrúnmìlà: “Olhe para trás e veja a multidão furiosa que estão vindo”. Òrúnmìlà ficou assustado e perguntou a Èsù o porquê ele havia matado o galo dos outros, Òrúnmìlà disse também que ele terá que pagar pelo mal feito. Èsù então lhe respondeu: “Você esta enganado, será você quem sofrerá as consequências pelo que eu fiz”. Òrúnmìlà disse: “A terra não morre, pode apenas se tornar estéril, sendo assim eu também não morrerei”.
Ao perceberem que estavam sendo alcançados e que não tinha mais por onde fugir subiram em uma arvore, o fazendeiro e seu funcionários disseram-lhes que estavam cercados, outros correram em busca de um machado para derrubar a arvore. Èsù então diz a Òrúnmìlà que é chegada a hora de demonstrar seu poder: que havia combinado de fazerem algo extraordinário e ninguém iria apanha-lo. Assim Òrúnmìlà disse o mesmo reafirmando assim sua superioridade.
Sendo assim quando a arvore estava sendo derrubada, Èsù disse a Òrúnmìlà que preparasse para queda, ao caírem Òrúnmìlà se transformou em água e Èsù em yangi. Assim não encontraram nenhum dos dois. Aos que beberam da água se acalmaram e os que viram yangi ficaram furiosos com olhar aterrorizante.
Esta história retrata a qualidade calma deste Òrìsà funfun em contra partida ao grande poder de Èsù.
Ifa aa gbe wa ooo!

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Ọrìrẹ /Òsuǹ - Opa Ósùn

Perseverança A história de Ọrìrẹ /Ò suǹ  Opa Ósùn para Babaláwo: 

O Odù túrá Oríkò (Òtúrá Orógbè)


Õ̀rìrẹ̀ ou o que chamamos de Òsùn é um dos mensageiros de Olódùmarè no céu. Seu nome verdadeiro era ỌkùnrinỌ̀, como aprendemos com o Odù turá Oríkọ. Ele foi enviado para Ọ̀rúnmìlà como um interlocutor (Ikọ̀) para ir e traduzir para Ọ̀rúnmìlà.

Agora leia com atenção o que nos ensina o Odù túrá Oríkò (Òtúrá Orógbè) :

Eu não ando com um interlocutor chamado (Ikọ̀)
Foi feita consulta de Ifá para Ọ̀rúnmìlà;
Quando eles enviaram uma mensagem negativa para ele do céu, eles disseram à Ọ̀rúnmìlà para fazer o sacrifício. Eles disseram que algum mensageiro está vindo do céu. Para que não o levassem ao céu com eles, disseram-lhe para fazer oferendas para as crianças, ovo, óleo de palma e vinho ou licor.
Ọ̀rúnmìlà ouviu os conselhos e fez as ofertas.
A águia foi o primeiro mensageiro que Olódùmarè enviou a Ọ̀rúnmìlà para chamá-lo com a águia para o céu;
A Águia disse a Ọ̀rúnmìlà que Olódùmarè pediu que ele fosse com ele;
Ọ̀rúnmìlà disse que ouviu, mas não vai com o mensageiro.
Ọ̀rúnmìlà deu à águia um ovo de galinha com o qual seus babaláwos (Ọ̀rúnmìlà) lhe disseram para fazer oferendas. Ele pediu à Águia que desse o ovo a Olòdùmarè; Dizer a Olódùmarè que ele está chegando. Águia carregou o ovo de galinha.
Quando a Águia chegou ao meio do caminho, passou por turbulência, soltou o ovo de suas garras. Quando o ovo da galinha atingiu o chão,
Eṣu bateu palmas e se tornou um filhotinho.
Quando a Águia começou a procurar o ovo, ela não conseguiu encontrá-lo. Em vez disso, ela encontrou um filhote.
A Águia pegou o filhote e olhou para ele. Ele disse que não foi isso que Ọ̀rúnmìlà lhe deu.
Ele disse que o que Ọ̀rúnmìlà lhe dava era branco e claro; Ela continuou procurando o ovo. Assim que escureceu a águia não pôde mais ir para o céu para dizer a Olódùmarè que Ọ̀rúnmìlà estava chegando;
Quando Olódùmarè não viu a Águia retornando, ele enviou o Caranguejo para ir e chamar Ọ̀rúnmìlà para o céu.
Quando o caranguejo veio entregar a mensagem para Ọ̀rúnmìlà;
Ele disse que ouviu a mensagem, mas não seguiu o mensageiro.
Ele deu ao caranguejo o óleo de palma em uma pequena cabaça para dar a Olódùmarè que ele estava a caminho. Quando o caranguejo chegou ao meio do caminho, enfrentou uma grande onda no mar, derrubou o óleo de palma em suas guarras e o óleo de palma derramou no mar.
Ele agora voltou ao mar.
Ele estava tentando reunir o óleo de palma na superfície do mar. Enquanto ele tentava recolhê-lo do lado direito, o óleo fluía para o lado esquerdo. Ao tentar recolhê-lo do lado esquerdo, o óleo fluirá para o lado direito;
Foi assim que o caranguejo estava tentando coletar o óleo de palma que Ọ̀rúnmìlà lhe deu para dar a Olódùmarè e ele não podia voltar ao céu para entregar a mensagem de Ọ̀rúnmìlà. Depois que Olódùmarè esperava o Caranguejo por algum tempo e ele não voltou, Olódùmarè chamou o Homem de fora no céu.
Ele o enviou para ir e chamar Ọ̀rúnmìlà.
Quando Ọmọkùnrin Ọ̀run chegou à casa de Ọ̀rúnmìlà, ele entregou a mensagem de Olódùmarè a Ọ̀rúnmìlà.
Ọ̀rúnmìlà pediu a ọmọkùnrin que corra para se sentar e esperar por ele; Ọmọkùnrin Ọ̀run respondeu que ele não iria se sentar.
Ele disse que continuará de pé.
Ọ̀rúnmìlà disse-lhe para voltar ao céu.
Ele disse que, a menos que Ọ̀rúnmìlà o seguisse, Ọ̀rúnmìlà lhe disse para esperar e deixá-lo terminar o que estava fazendo antes dele chegar; Era o  ewò (proibição) de Ọmọkùnrin Ọ̀run que, a luz do dia não deve encontrá-lo na Terra; Ọ̀rúnmìlà finge que estava se preparando para segui-lo. Ele pediu a seus servos para entreter Ọmọkùnrin Ọ̀run.
Eles lhe deram vinho para se refrescar.
Depois que terminou de beber o vinho, adormeceu em pé sem cair. Era hora de ele acordar. Depois da luz do dia, ele ficou sóbrio.
Ele disse “O quê!” Ele dormiu (Ó sùn)
Ọ̀rúnmìlà disse que será chamado O sùn a partir daquele dia; Ọ̀rúnmìlà pediu que ele voltasse para o céu. Ele disse que estava cansado (Órẹ̀mí)
Ọ̀rúnmìlà disse que a partir de então seu outro nome será Oríre. Naquele momento, ele não tinha mais energia; Porque a luz do dia o havia encontrado na Terra.
Ọ̀rúnmìlà disse que a partir de então ele o usará como bengala; E que ele nunca deve se deitar novamente. Ele se chamaria Opa Ósùn.

Ire gbogbo!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019


Dia da consciência? De que mesmo? Qual consciência?

A crise brasileira atual é também e antes de tudo uma crise de ideias. Existem ideias velhas que nos legaram o tema da corrupção na política como nosso grande problema nacional. Isso é falso, embora, como em toda mentira e em toda fraude, tenha seu pequeno grão de verdade. Nossa corrupção real, a grande fraude que impossibilita o resgate do Brasil esquecido e humilhado, está em outro lugar e é construída por outras forças. São essas forças, tornadas invisíveis para melhor exercerem o poder real, que o texto pretende desvelar. Essa é a nossa elite do atraso.
Para melhor cumprir meu objetivo, construí este texto sob a forma de uma resposta crítica ao clássico, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, Souza, publicado em 1936. Como veremos, o livro de Sérgio Buarque é, ainda hoje, a leitura dominante do Brasil, seja na sua modernização em seus epígonos mais famosos, como Raymundo Faoro, Fernando Henrique Cardoso ou Roberto Da Matta, seja na sua influência ampla e difusa nos intelectuais de direita e de esquerda do Brasil de hoje em dia. É a influência continuada dessa leitura na cabeça das pessoas que nos faz de tolos. O sucesso da empreitada de Sérgio Buarque se deve ao fato de ele ter logrado, ao modo dos profetas das grandes religiões mundiais, responder às três grandes questões que desafiam indivíduos e sociedades: De onde viemos? Quem somos? Para onde (provavelmente) vamos? Articular essas três questões centrais de modo convincente permitiu que sua visão se tornasse a interpretação oficial do Brasil sobre si mesmo. Como iremos ver, a Lava Jato se legitima com Sérgio Buarque e seus epígonos; a Rede Globo legitima sua violência simbólica do mesmo modo; ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se legitimam a partir de suas ideias; e intelectuais importantes da esquerda continuam reproduzindo suas supostas evidências e as de seus discípulos. Tamanho sucesso e ubiquidade é resultado da ação combinada de dois fatores: o primeiro é o fato de Sérgio Buarque haver construído uma narrativa totalizadora – como a das religiões que não podem deixar margem a lacunas e dúvidas – do Brasil e de sua história; e o segundo ponto é o de ter criado a legitimação perfeita para uma dominação oligárquica e antipopular com a aparência de estar fazendo crítica social. É isso que o faz tão amado pela direita e pela esquerda. Tamanha influência ubíqua e convergente me motivou a reconstruir, neste texto, uma contraposição a suas ideias, ponto a ponto, nas três questões seminais que todo indivíduo ou sociedade são desafiados a responder. Como não somos formigas que repetem uma informação genética, nosso comportamento é determinado por uma visão do mundo e das coisas que é “construída”. Essa construção do sentido do mundo era trabalho de religiosos no passado e de intelectuais nos últimos duzentos anos de história. Esse “sentido do mundo” nos parece, então, “natural”, dado que nascemos sob a influência dele, e são pessoas amadas e admiradas, em casa, na escola ou na televisão, que nos apresentam a ele. De tal modo que nos aparece como algo “confiável”. É essa confiabilidade que torna tão fácil a reprodução dos privilégios legitimados por esse sentido, sempre muito específico, e, ao mesmo tempo, torna a sua crítica tão difícil. Épocas de crise como a brasileira atual são, nesse sentido, uma oportunidade única. Na crise, toda legitimação perde sua “naturalidade” e pode ser desconstruída. Mas é necessário que se reconstrua um novo sentido que explique e convença melhor que o anterior. Sem isso, a explicação anterior tende a se perpetuar. É esse esforço que pretendo fazer aqui. A ideia é criticar a interpretação dominante não apenas nas suas falhas conceituais, como já fiz antes em diversas ocasiões,  mas também sua interpretação histórica e factual da realidade brasileira. Essa nova reconstrução histórica, por sua vez, permitirá um diagnóstico, a meu ver, muito mais apurado e convincente da própria realidade atual. Assim, persegui três eixos temáticos bem definidos. O primeiro é tomar a experiência da escravidão, e não a suposta e abstrata continuidade com Portugal e seu “patrimonialismo”, onde não existia a escravidão, como a semente de toda a sociabilidade brasileira. Muitos falaram de escravidão como se fosse um mero “nome”, sem eficácia social e sem consequências duradouras, inclusive Sérgio Buarque e seus seguidores. Compreender a escravidão como conceito é muito diferente. É perceber como ela cria uma singularidade excludente e perversa. Uma sociabilidade que tendeu a se perpetuar no tempo, precisamente porque nunca foi efetivamente compreendida nem criticada. O segundo foi perceber como a luta das classes por privilégios e distinções logrou construir alianças e preconceitos que esclarecem, melhor que qualquer outra coisa, o padrão histórico que se repete nas lutas políticas do Brasil moderno. O principal aqui é evitar compreender as classes de modo superficial e economicista, como o fazem tanto o liberalismo quanto o marxismo. Ao perceber as classes sociais como construções socioculturais, desde a influência emocional e afetiva da socialização familiar, abriram um caminho que esclarece nosso comportamento real e prático no dia a dia como nenhuma outra variável. Essa é uma promessa que faço ao leitor sem medo de fracassar: é possível reconstruir as razões de nossa própria conduta cotidiana, assim como a conduta dos outros que conosco partilham o mundo social, de modo preciso e convincente a partir da reconstrução da herança de classe de cada um. A tradição inaugurada por Sérgio Buarque e arrasadoramente influente até hoje não percebe a ação das classes sociais, daí que tenham criado o “brasileiro genérico”, o homem cordial de Sérgio Buarque ou o homem do “jeitinho brasileiro” para um DaMatta. O conflito entre as classes também é distorcido e tornado irreconhecível, sendo substituído por um falso conflito entre Estado corrupto e patrimonial e mercado virtuoso. Ainda que todo o noticiário atual milite contra essa percepção, sem uma desconstrução do sentido velho e de uma reconstrução explícita de um sentido novo, seremos feitos de tolos indefinidamente. É por conta dessa inércia provocada pela força de concepções passadas que pensamos os problemas brasileiros sob a chave do patrimonialismo e do populismo, dois espantalhos criados para tornar possível a aliança antipopular que caracteriza o Brasil moderno desde 1930. Por fim, o terceiro ponto é o diagnóstico acurado do momento atual. Se os dois pontos anteriores são importantes, sua eficácia deve ser comprovada por um diagnóstico do momento atual mais profundo e mais veraz que o do “racismo culturalista”, como podemos definir o paradigma que estamos criticando. Esse é o convite que faço ao leitor. Adentrar o espaço de uma aventura do espírito que visa libertá-lo das amarras invisíveis das falsas interpretações críticas. Esse é, afinal, o primeiro passo para que, enfim, não mais repitamos a nossa triste história da exclusão recorrente e golpes de Estado, mas que juntos possamos construir algo verdadeiramente novo.
A primeira coisa a se fazer quando se reflete sobre um objeto confuso e multifacetado como o mundo social é perceber as hierarquias de questões mais importantes a serem esclarecidas. Sem isso, nos perdemos na confusão. A questão do poder é a questão central de toda sociedade. A razão é simples. É ela que nos irá dizer quem manda e quem obedece quem fica com os privilégios e quem é abandonado e excluído. O dinheiro, que é uma mera convenção, só pode exercer seus efeitos porque está ancorado em acordos políticos e jurídicos que refletem o poder relativo de certos estratos sociais. Assim, para se conhecer uma sociedade, é necessário reconstruir os meandros do processo que permite a reprodução do poder social real. O exercício do poder social real tem de ser legitimado. Ninguém obedece sem razão. No mundo moderno, quem cria a legitimação do poder social que será a chave de acesso a todos os privilégios são os intelectuais. Pensemos na Lava Jato e em sua avassaladora influência na vida do país. A “limpeza da política” que o procurador Deltan Dallagnol, o intelectual da operação, preconiza para o país é uma mera continuidade da reflexão de Sérgio Buarque e Raymundo Faoro. Certamente Faoro não seria tão primário e oportunista, mas, independentemente de suas virtudes pessoais, são suas ideias de que o Estado abriga uma elite corrupta que vampirizaria a nação que legitimam toda a ação predadora do direito e das riquezas nacionais comandadas pela Lava Jato. O que a Lava Jato e seus cúmplices na mídia e no aparelho de Estado fazem é o jogo de um capitalismo financeiro internacional e nacional ávido por “privatizar” a riqueza social em seu bolso. Destruir a Petrobras, como o consórcio Lava Jato e grande mídia, a mando da elite do atraso, destruiu, significa empobrecer o país inteiro de um recurso fundamental, apresentando, em troca, não só resultados de recuperação de recursos ridículos de tão pequenos, mas principalmente levando à destruição de qualquer estratégia de reerguimento internacional do país. Essas ideias do Estado e da política corrupta servem para que se repasse empresas estatais e nossas riquezas do subsolo a baixo custo para nacionais e estrangeiros que se apropriam privadamente da riqueza que deveria ser de todos. Essa é a corrupção real. Uma corrupção legitimada e tornada invisível por uma leitura distorcida e superficial de como a sociedade e seus mecanismos de poder funcionam.
A construção de uma elite toda poderosa que habitaria o Estado só existe, na realidade, para que não vejamos a elite real, que está “fora do Estado”, ainda que a “captura do Estado” seja fundamental para seus fins. É uma ideia que nos imbeciliza, já que desloca e distorce toda a origem do poder real. Nesse esquema, se fizermos uma analogia com o narcotráfico, os políticos são os “aviõezinhos” do esquema e ficam com as sobras do saque realizado na riqueza social de todos em proveito de uma meia dúzia. Combater a corrupção de verdade seria combater a rapina, pela elite do dinheiro, da riqueza social e da capacidade de compra e de poupança de todos nós para proveito dos oligopólios e atravessadores financeiros. O “imbecil perfeito” é criado quando ele, o cidadão espoliado, passa a apoiar a venda subfaturada desses recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção estatal. Como se a maior corrupção – no sentido de enganar os outros para auferir vantagens ilícitas – não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria. Essa foi a história da Vale, que paga royalties ridículos para se apropriar da riqueza que deveria ser de todos, e essa será muito provavelmente a história da Petrobras. Esse é o poder real, que rapina trilhões e ninguém percebem a tramoia, porque foi criado o espantalho perfeito com a ideia de Estado como único corrupto. É por conta disso que a crítica das ideias dominantes é tão importante. Combatê-las é iniciar um processo de aprendizado para nos libertarmos da situação de imbecilidade e idiotice na qual fomos, todos nós, levados pela estratégia de legitimação do poder real no nosso país. Por conta disso, temos que examinar de que modo “a interpretação dominante” do país ajudou e pavimentou o trabalho sujo da mídia de distorção sistemática da realidade. Sem essa ajuda dos intelectuais mais respeitados entre nós, que produziram uma interpretação falsamente crítica de nossa realidade, a mídia não poderia ter feito seu trabalho de modo tão fácil e que penetrou tão profundamente no imaginário da população.
O presente não se explica sem o passado, e apenas a explicação que reconstrói a gênese efetiva da realidade vivida pode, de fato, ter poder de convencimento. Essa é, inclusive, a razão da força de convencimento do culturalismo conservador entre nós. Ele supostamente explica tudo sem lacunas. Mas, antes de tudo, vamos explicitar brevemente que seja como a semente escravista foi silenciada e substituída por uma interpretação falsa cientificamente e conservadora politicamente. Foi isso que a fez servir tão bem de pressuposto implícito para todo o ataque midiático de hoje em dia.
O trabalho de distorção sistemática da realidade realizado pela mídia foi extremamente facilitado pelo trabalho prévio de intelectuais que forjaram a visão dominante, até hoje, da sociedade brasileira. Como os pensadores que estudam as regras da produção de conhecimento e da ciência sabem muito bem, todo o conhecimento humano é limitado historicamente. Isso significa que, durante décadas e até séculos, todo o conhecimento humano é dominado por um “paradigma” específico. Um “paradigma” é o horizonte histórico que define os pressupostos para qualquer tipo de conhecimento. Normalmente, todas as pessoas são influenciadas pelo paradigma na qual são criadas e ninguém, em condições normais, pensa além de seu tempo. Onde reside o racismo implícito do culturalismo? Ora, precisamente no aspecto principal de todo racismo, que é a separação ontológica entre seres humanos de primeira classe e seres humanos de segunda classe. Entre categorias cegas por suas convicções religiosas, filosóficas ou de gênero.                     
E viva o dia da consciência, mesmo sem termos o mínimo de compreensão do verdadeiro significado desta data que até hoje nada mais é do que um mero feriado.

Texto: Professor em História do Brasil - Fagboala Monteiro.

Biografias: Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil)

Fernando Henrique Cardoso (Sociologia e Política do Brasil)

Souza, Jessé: da escravidão à Lava Jato / Jessé Souza. - Rio de Janeiro: Leya, 2017.