Para criticar o Brasil de
hoje e compreender o que está em jogo na política e na manipulação da política
como forma de dominação econômica e simbólica, é necessário reconstruir uma
totalidade alternativa que desconstrua o culturalismo racista conservador e
reconstrua a sociedade brasileira em um sentido novo e crítico. Ao mesmo tempo,
este esforço parece-me também fundamental para apontar os caminhos de uma nova
crítica social entre nós que não se deixe colonizar pelo culturalismo
conservador e seu racismo implícito.
É necessária uma reflexão
independente, também acerca do Estado e da sociedade, para que o culturalismo
conservador de direita não colonize a esquerda como acontece até hoje. Todos os
golpes de Estado contra a esquerda se baseiam na dominância de uma
interpretação totalizante e conservadora, que contamina e fragiliza a esquerda
mortalmente. Para evitar que isso aconteça no futuro, é necessário desconstruir
a leitura conservadora dominante e construir uma teoria explicativa nova tão
abrangente quanto a versão conservadora o é. Daí a importância de as três
questões essenciais a que toda religião ou ciência totalizadora ter que ser
respondidas agora refletindo os interesses da crítica social que a “esquerda”
pretende representar. Interesses que tenham a ver com a crítica da desigualdade
e da injustiça social e não com sua reprodução. Para responder às três questões
essenciais para a compreensão da singularidade de qualquer sociedade – de onde
viemos, quem somos e para onde vamos –, o culturalismo racista constrói uma
fantasia da continuidade cultural com Portugal que é falsa da cabeça aos pés.
No Brasil, desde o ano zero,
a instituição que englobava todas as outras era a escravidão, que não existia
em Portugal, a não ser de modo muito tópico e passageiro. Nossa forma de
família, de economia, de política e de justiça foi toda baseada na escravidão.
Mas nossa auto interpretação dominante nos vê como continuidade perfeita de uma
sociedade que jamais conheceu a escravidão a não ser de modo muito datado e
localizado. Como tamanho efeito de auto desconhecimento foi possível? Não é que
os criadores e discípulos do culturalismo racista nunca tenham falado de
escravidão. Ao contrário, todos falam. No entanto, dizer o nome não significa
compreender o conceito. A diferença entre nome e conceito é o que separa o
senso comum da ciência. Pode-se falar de escravidão e depois retirar da
consciência todos os seus efeitos reais e fazer de conta que somos continuação
de uma sociedade não escravista. É como tornar secundário e invisível o que é
principal e construir uma fantasia que servirá maravilhosamente não para
conhecer o país e seus conflitos reais, mas, sim, para reproduzir todo tipo de
privilégio escravista ainda que em condições modernas. E, toque satânico,
demonizar o Estado como repositório da suposta herança maldita portuguesa e
sempre que o mesmo for ocupado pela esquerda e reverberar seletivamente a
acusação moralista já.
É precisamente como uma sociedade constitutiva
e estruturalmente sadomasoquista – no sentido de uma patologia social
específica, onde a dor alheia, o não reconhecimento da alteridade e a perversão
do prazer transformam-se em objetivo máximo das relações interpessoais, tudo
para honra e glória do senhor Jesus. A verdade, porém, é que nós é que fomos os
sadistas; o elemento ativo na corrupção da vida de família; e moleques e
mulatas, o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem o negro agiram por
si, muito menos como raça, ou sob a ação preponderante do clima, nas relações
de sexo e de classe que se desenvolveram entre senhores e escravos no Brasil.
Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu,
como um Deus todo-poderoso, em senhores e escravos. Dele se deriva a exagerada
tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em
casa-grande principalmente em engenho; e a que insistentemente temos aludido
neste ensaio. Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois
foi assim o Brasil do tempo da escravidão.
Hoje o então Jair dos
senhores, o representante de Deus a salvação dos protestantes, Senhor e Capitão
do Mato para as minorias oprimidas de instituição pagã, que por sua própria
irresponsabilidade e ignorância política assim elegeu de próprio punho o seu
carrasco Inquisidor.
Viva o País do retrocesso
cultural de Jair do fanatismo religioso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário